Do Livro do Juízo Capilar

por Carlos Castelo

Que o Senhor se apiede deles.

E, nos últimos dias da grande confusão, se levantará um juiz de peruca, cujo nome terá o sinal do X, e os povos tremerão, não por justiça, mas por pura perplexidade. Pois virá montado não sobre cavalo branco, nem sobre camelo, mas sobre um sedã oficial, dizendo: "Eis que venho para julgar, porém antes, deixai-me ajustar a peruca."

E quando ele ajeitar a peruca pela terceira vez, e o galo cantar, haverá ranger de dentes e as leis regredirão.
Então os escribas do tribunal murmurarão: "Quem é este homem de madeixas postas? Quem ousa julgar com tanto laquê?"

E responderá o povo: "É aquele de nome impronunciável, que contém o X misterioso, símbolo do voto que se inclina mais ao aliado que à balança.

E será conhecido por seus vereditos longuíssimos, que farão os réus envelhecerem antes da sentença.

E muitos buscarão refúgio em pedidos de vista, mas não haverá lugar seguro, pois o juiz de peruca já terá aberto a sessão eterna.

E dirá ele: "Em verdade, em verdade vos digo: quem não ouvir meu voto até o fim, nem o tribunal dos céus o reconhecerá."

E cairá um grande silêncio sobre os fóruns, e as rotinas processuais cessarão, pois todos aguardarão o parecer final do Excelso X.

E então se cumprirá a profecia: "Quando o justo não entender o despacho, e o injusto disser 'amém', então saberás que o fim está próximo."

E a terra será dividida entre os que dizem "sim, Excelência" e os que apenas clicam em "concordo com os termos".

E haverá grande balbúrdia entre advogados e teólogos, pois ninguém saberá onde termina o Código Penal e começa o Apocalipse.

E, assim, até o fim dos tempos muitos serão os que seguirão ouvindo a fala do juiz de peruca. Que o Senhor se apiede deles.


Publicado em 22/10/2025




Guia prático de antiajuda

por Carlos Castelo

Como perder amigos e não influenciar ninguém

1. SOBERBA.
Não imite Jesus ou Buda, mas aquele primo falastrão que sempre tem razão no almoço de domingo. Corrija os outros em público, de preferência com citações do Wikipédia.

2. LUXÚRIA.
Não economize energia vital: use-a toda numa única noite e passe o resto do mês dormindo. Lembre-se: se for para perder a paz ou a reputação, que ao menos haja champanhe envolvido.

3. IMPACIÊNCIA.
Transforme cada mosquito em uma crise existencial. Grite com o relógio, discuta com a torradeira, não leve ofensas de trânsito para casa. Quem precisa de serenidade quando se pode ter drama?

4. SUJEIRA.
Vista-se com o que estiver mais próximo, mesmo que seja algo vivo. Uma boa camada de poeira dá um certo ar de mistério.

5. EXAGERO.
Vá sempre aos extremos. Odeie publicamente. Se o garçom atrasar o pedido, escreva uma carta indignada ao STF. Ninguém muda o mundo sendo morno.

6. INJUSTIÇA.
Julgue primeiro, pergunte depois. Se não houver provas, invente. E, se tudo der errado, culpe a mídia.

7. HIPER-SINCERIDADE.
Diga sempre o que pensa, especialmente quando não deve. Se alguém mostrar o novo corte de cabelo, pergunte: “você perdeu uma aposta?”. A verdade isola, mas liberta

8. PREGUIÇA.
Evite qualquer atividade que exija movimento físico ou mental. Adie tudo, inclusive o adiamento. O tempo é relativo, em especial quando se está deitado.

9. DESPERDÍCIO.
Recuse-se a reciclar, nada é mais contemporâneo que um planeta vintage.

10. INDECISÃO.
Não resolva nada. Pondere infinitamente. Faça listas sobre listas. Quando finalmente for agir, certifique-se antes de que a ocasião já passou.

11. DESORDEM.
Coloque cada coisa em qualquer lugar e chame isso de caos criativo. Achar um objeto deve ser uma questão de sorte. E a casa, um campo de batalha entre o possível e o perdido.

12. GULA.
Coma até o arrependimento. Beba até o arrependimento esquecer que tem este nome. Lembre-se: o importante não é viver de forma saudável, mas mastigar e engolir com vontade.


Publicado em 21/10/2025




Poesia, justo no domingo?

por Carlos Castelo

Suspiros poéticos e macarronada com frango

SE EU FOSSE CEO

Se eu fosse CEO
Por acaso, seu doutor,
Eu faria diferente

Certamente, eu não mandava
Na verdade, delegava
As tarefas aos gerentes

E os gerentes, na sequência,
Dividiam a incumbência
Sempre coletivamente

E assim eu dirigia
Igualando hierarquia
Essa empresa divergente

Só falava o necessário
Melhorava os salários
De aprendiz a consultor

Contratava pessoal
De alto nível laboral
Bem melhor do que sou

Investia em empatia
Trabalhava em parceria
E, sem metas, por favor

Mas então eu disse: “para!
Doutor, se eu for esse cara,
Nunca chego a CEO”


Publicado em 19/10/2025




Museu do Fútil

por Carlos Castelo

A cadeira bamba

Entre as peças mais instáveis da Ala do Mobiliário Doméstico, nenhuma provoca tanto fascínio e instabilidade quanto a Cadeira Bamba. Disposta sobre um pedestal de mármore, nivelado com calços de papelão, ela é um monumento à dubiedade cotidiana, uma coreografia entre o conforto e o abismo.

O interesse museológico pela Cadeira Bamba reside em seu paradoxo estrutural: é simultaneamente objeto de repouso e convite ao desequilíbrio. Cada perna descompassada conta uma história de jantares interrompidos, reuniões tensas e torções na coluna.

O comitê de conservação, zelando pela integridade do móvel (e da lombar dos visitantes), instalou um cordão de isolamento de 50 centímetros e aviso bilíngue: "Proibido sentar, mesmo que pareça tentador."

Quanto à origem da peça, pairam dúvidas: há quem acredite que tenha pertencido a uma sala de jantar de classe média nos anos 1970; outros sustentam que seria relíquia de um aparelho comunista no bairro da Lapa, em São Paulo.

No fundo, a Cadeira Bamba não oferece descanso, mas reflexão. Seu balanço involuntário, revela a verdade universal do mobiliário e da existência: todos nós, mais cedo ou mais tarde, ficaremos fora de prumo.


Publicado em 18/10/2025




Biografias Possíveis: Romero Britto

por Carlos Castelo

Nada se perde, tudo se transforma em Suvinil e souvenir.

Dizem que o talento nasce do sofrimento, da miséria, da dor existencial. Mas Romero Britto, ao que tudo indica, nasceu de uma overdose de luminosidade. Sua biografia, se escrita em tons pastéis, não seria fiel à verdade: deve ser contada em magenta, ciano e uma quantidade indecente de amarelo gritante.

Natural de Recife, onde as sombras têm medo de aparecer, o pequeno Romero começou sua carreira desenhando em papelão, talvez por falta de tela. Ou porque já pressentia o espírito lavosieriano que o acompanharia ao longo da vida: "Nada se perde, tudo se transforma em Suvinil e souvenir."

Com o tempo, Britto entendeu que a arte podia ser uma ponte entre o sublime e o comercial. Picasso dizia que demorou uma vida para pintar como uma criança; Britto fez o caminho inverso. E ainda vendeu sua marca para executivos da Disney. Sua estética conquistou aeroportos, consultórios odontológicos, churrascarias e o coração de quem acha que alegria é algo que deve ser pendurado na parede.

Em Miami, encontrou seu paraíso. Abriu ateliê, virou ícone pop, e logo suas obras começaram a se multiplicar como gremlins. Há quem diga que, se você deixar uma tela branca e uma lata de tinta ao lado de uma reprodução de Britto, no dia seguinte ela acordará autografada.

A arte de Britto é tão otimista que pode fazer um deprimido sair cantando É Preciso Saber Viver diante de seus quadros. O mundo pode estar em ruínas, mas, enquanto houver um Britto emoldurado na recepção de um banco ainda haverá a esperança de que os assaltos serão animados.

Críticos o acusam de superficialidade, de transformar o cubismo em cubo mágico. Mas ele responde com um sorriso Pantone 102 C: “a arte deve fazer as pessoas felizes”.

Hoje, Romero Britto é um símbolo da arte globalizada, da estética prêt-à-pendurar, do otimismo como produto de exportação. E, se um dia inventarem o Paraíso dos Artistas, é provável que ele pinte as nuvens de bolinhas, borde uma cachoeira multicolorida nas auréolas e transforme o inferno num happy hour coloridíssimo e com drinks tropicais.

Em essência, se o mundo é cinza, sempre haverá alguém disposto a vender-lhe um pedaço de satisfação: em edição ilimitada, numerada, e ao lado de um bichano gargalhando.


Publicado em 16/10/2025




Caramelo

por Carlos Castelo

Sobre o viralatismo nacional

Há tempos o Brasil perdeu a noção do ridículo, mas a coroação do cão caramelo como ícone é a prova definitiva de que batemos no fundo da tigela de ração. O animal, simpático até, virou santo laico, uma espécie de São Frei Galvão canino. E, como só acontece com as celebridades, mascote de comercial de banco e protagonista de filme com trilha sonora da Anitta.

Analisando mais a fundo, faz todo sentido um povo inteiro se identificar com um cachorro que sobrevive sem vacina, sem dono, e comendo o que acha na rua. É o retrato perfeito do viralatismo nacional.

A publicidade e o entretenimento, claro, farejam emoção como um totó atrás de osso. Lá está o caramelo estampado em anúncios de cerveja, campanha política e até em filme da Netflix. Em breve, teremos o Caramelo Day.

E, quando a tendência passar, como toda modinha brasileira, o pobre bichinho voltará às ruas, sem filtro, nem patrocínio. Mas, pelo menos, continuará sendo o único brasileiro verdadeiramente livre.


Publicado em 14/10/2025




Poesia, justo no domingo?

por Carlos Castelo

Suspiros poéticos e macarronada com frango

SOCIEDADE

A fábrica, a escola,

A prisão, o quartel

Servem pra criar

Doidos a granel


Publicado em 12/10/2025




Museu do Fútil

por Carlos Castelo

A cueca furada

Entre os objetos mais debatidos da Ala Doméstica do museu, poucos geram tanta controvérsia quanto a Cueca Furada. Exposta em vitrine climatizada, ela desafia os limites entre vestimenta, ruína e documento histórico.

Alguns críticos a chamam de "arquitetura têxtil em colapso controlado". Outros, mais pragmáticos, preferem "pano com buraco".

Seu valor museológico reside justamente na ambiguidade: trata-se de peça íntima ou vestígio arqueológico? O furo, cuidadosamente estabilizado com resina neutra, é interpretado por alguns como metáfora do desgaste inevitável; por outros, como protesto silencioso contra a obsolescência do corpo.

Relatórios técnicos apontam que o tecido apresenta uma erosão centrípeta progressiva, expressão que ninguém compreende, mas que soa convincente em simpósios. Já o parecer ético do comitê recomendou proibição de risadinhas durante visitas guiadas, reforçando o caráter solene da exposição.

Pesquisadores divergem sobre a datação: uns falam em uso prolongado nos anos 1990; outros em testemunho de um ciclo de lavagens que ultrapassou o aceitável. A curadoria, prudente, mantém a dúvida em cartelas bilíngues. Afinal, a cueca furada não busca respostas, apenas reconhecimento.


Publicado em 11/10/2025




Não vou comprar essa droga de livro

por Carlos Castelo

Livros

FICHA TÉCNICA

Direitos autorais © 2025 NÃO VOU COMPRAR ESSA DROGA DE LIVRO

Todos os direitos reservados. Inclusive o direito de devolver o livro rasgado após a compra.
"Não vou comprar essa droga de livro" é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas reais é pura má sorte delas.

ORGANIZAÇÃO
Nenhuma. Foi cada um por si e o corretor automático contra todos.

APRESENTAÇÃO
Escrita pelo autor, porque contratar alguém para falar bem do livro sairia mais caro que imprimir o próprio livro.

TEXTO
Gerado após litros de café, ataques de ansiedade e um contrato em que a editora jurou que havia leitores interessados.

EDIÇÃO DE TEXTO
Feita por um profissional que jurava amar literatura, mas que sempre trabalhou editando bulas de remédio.

CAPA E REVISÃO DE TEXTO
Esta primeira edição sai sem capa e sem revisão de texto por questões estruturais da Editora.

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Baseado na geometria euclidiana, mas com menos simetria e mais erros de alinhamento.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Para mais informações, siga o autor no Instagram @AutorQueNinguémSegue, onde ele posta fotos do próprio livro na esperança de que alguém clique em curtir.

AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, à paciência (a minha e principalmente a do leitor), que, contra todas as evidências e contra o próprio título, abriu este livro.

Agradeço também ao editor, que confiou que um título como “Não vou comprar essa droga de livro” fosse uma estratégia de marketing e não um aviso real.

Aos amigos que disseram "vai ficar ótimo" sem ter lido uma linha, obrigado pela mentira piedosa.

Aos parentes, que perguntam sempre quando vou escrever "um livro de verdade", agradeço a motivação disfarçada em crítica.

E finalmente agradeço ao meu gato, que não opinou, não julgou, não sugeriu nada. Apenas se deitou em cima do teclado na hora certa, evitando que muitos absurdos fossem salvos.


Publicado em 09/10/2025




10 coisas que podem acontecer a Bananinha caso Trump descubra suas mentiras

por Carlos Castelo

E agora, José?


1. Deportação para Marte - Trump anuncia em rede social que Eduardo será o primeiro a inaugurar o muro espacial, acompanhado de um foguete emprestado da SpaceX.

2. Exílio Laranja – Eduardo é condenado a viver numa realidade paralela onde tudo é feito de tonalidades alaranjadas, incluindo suco de laranja, pôr-do-sol e até cenouras.

3. Mudança compulsória de nome - Um decreto pessoal de Trump o obriga a trocar de nome para “Ed Wonderful, the Fake News Guy”, com direito a crachá vitalício.

4. Reality show forçado - Eduardo vira protagonista de um programa chamado Apprentice: Revenge Edition, no qual precisa agradar Trump cozinhando hambúrgueres com ketchup em todas as refeições.

5. Exílio na Trump Tower - Confinado no 147º andar, Eduardo só pode sair se decorar todos os discursos de campanha trumpista de 2016 de trás para frente.

6. Perseguição por advogados - Um batalhão de 327 advogados com gravatas vermelhas o segue até mesmo à padaria da esquina, só para protocolar intimações.

7. Bloqueio no X - O pior castigo: Trump o bloqueia no X, mas continua mandando indiretas enigmáticas sobre “a very, very dishonest Brazilian.”

8. Muro portátil - Eduardo passa a carregar uma réplica de muro mexicano nas costas, como penitência.

9. Estátua de exemplo negativo - Bananinha vira monumento em frente ao Capitólio, com uma placa: “Aqui jaz o homem que tentou mentir para mim”.

10. Transformação em bordão - O nome Bananinha vira expressão internacional, usada para designar qualquer mentira mal contada: “Isso foi uma verdadeira Bananinha!”.


Publicado em 07/10/2025




Poesia, justo no domingo?

por Carlos Castelo

Embriagai-vos!

É preciso estar sempre embriagado.

De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser.

Mas embriagai-vos.

Exceto de metanol.


Publicado em 05/10/2025




Museu do Fútil

por Carlos Castelo

O pé de meia sem par

Entre os exemplos do nosso acervo, poucos intrigam tanto quanto o pé de meia sem par. À primeira vista, é apenas um tecido solitário, órfão de sua metade legítima. Mas, em nossa leitura, ele encarna o drama da incompletude, a tensão entre o que foi parelho e o que agora é apenas lembrança de uma unidade perdida.

O pé de meia sem par não cumpre mais sua função original: proteger dois pés harmoniosamente. No entanto, sua inutilidade prática não é sinônimo de ausência de significado. Guardá-lo é um ato de fé doméstica: talvez, um dia, seu gêmeo reapareça misteriosamente atrás de uma máquina de lavar, como um Ulisses têxtil retornando do ciclo eterno das centrifugações.

Museólogos experientes sugerem que esses pés solitários remontam a antigas versões do cesto de roupa suja. Alguns acreditam que eram usados para lustrar móveis, outros, como fantoches improvisados. Há quem veja neles um símbolo moderno de relações desfeitas, onde apenas um continua presente, esperando de modo paciente.

Assim, o pé de meia sem par nos ensina: não é preciso formar uma dupla para carregar histórias. Às vezes, basta a ausência do outro para que um simples pedaço tosco de algodão continue tendo o seu lugar de fala na gaveta.


Publicado em 04/10/2025




Mein Kampf – Edição Especial Influencer

por Carlos Castelo

Reich digital

Fala, galerinhaaaa do Reich digital! Tudo bem com vocês?

Seguinte: hoje eu vim aqui, nessa live exclusiva, pra contar como o meu livro Mein Kampf – Edição Especial Influencer vai mudar completamente a sua visão de mundo (e possivelmente o mundo mesmo).

Primeiro de tudo, mano: link na bio, tá? Usa o cupom FÜHRER10 pra garantir desconto. E se comprar hoje, ainda ganha um wallpaper exclusivo com minha foto olhando seriamente pro horizonte. É perfeito pra quem quer inspiração autoritária no celular.

Gente, vocês vivem reclamando aí no chat: “Ah, minha vida não anda, ninguém me respeita, o país tá uma bagunça…”

Pois é, eu também já passei por isso. A diferença é que eu escrevi um livro inteiro explicando de quem é a culpa (spoiler: não é minha) e como a gente pode consertar TUDO.

Olha só o que você vai aprender:

- Como transformar frustração pessoal em um movimento global.

- O segredo para fazer multidões gritarem seu nome. E não de um cantor de sertanejo.

- Como ganhar milhões de seguidores sem precisar dancinha. E só levantando o braço pro alto.

E gente, não caiam nessa de “ah, mas é polêmico”. Polêmico é deixar seu algoritmo nas mãos de gente que nem lê o que compartilha. Aqui, você vai ter ideias CLARAS, DIRETAS e, na minha opinião, GENIAIS.

Então corre lá: Mein Kampf – Edição 2025, com nova capa, fonte maior e até QR code pra playlists motivacionais.

Compra agora e entra pro meu Clube Premium do Reichskanzler, onde eu faço lives só pros mais fiéis. Já rolou até tutorial de como fazer pose de líder pra foto.

Enfim, galera, é isso. Não deixa o inimigo ganhar no engajamento. Compra, lê e compartilha.

Euer Führer,

Adolf.


Publicado em 02/10/2025




Baixa Barra Funda

por Carlos Castelo

Um bairro mais cult de São Paulo

A revista Time Out elegeu a Barra Funda, em São Paulo, como o terceiro bairro mais descolado do mundo. Isso porque eles não visitaram a Baixa Barra Funda, bairro vizinho que oferece atrações ainda mais incríveis.

O cartão-postal é o Memorial da Geladeira Aberta, um centro cultural que exibe centenas de eletrodomésticos plugados eternamente na tomada, com a porta escancarada, como metáfora do desperdício da energia no mundo.

No quesito originalidade, ninguém supera o Parque das Filas, onde os paulistanos formam enormes fileiras e ficam esperando algo acontecer por horas e horas. É divertido e, segundo os médicos, fortalece as panturrilhas.

A gastronomia é riquíssima na Baixa Barra Funda. Comecemos pelo restaurante Sopa Imemorial, onde você monta seu prato em um bufê repleto de panelas de sopa diferentes, todas sem concha. O cliente precisa improvisar com as próprias mãos, o que, de acordo com o chef, cria uma conexão ancestral com o caldo.

Há ainda o famoso Egg Bar, cinco estrelas no Guia Michelin, que serve apenas ovo cozido com sal e pimenta do reino. Para beber, gemada.

A vida noturna é das mais animadas. Na Balada do Sósia, só entra quem provar ser a cópia malfeita de alguém famoso. Já tivemos cinco Neymares e um sujeito que insistia em ser o irmão menos conhecido de Caetano Veloso. Acabou sendo barrado por excesso de convicção.

A Baixa Barra Funda, portanto, é um bairro para pessoas que amam o diferente. Ou simplesmente para quem não encontrou opção melhor de lazer.


Publicado em 30/09/2025




Poesia, justo no domingo?

por Carlos Castelo

Seu Ku é tradutor

Seu Ku é tradutor. Mora no bairro da Liberdade, em São Paulo, e poderia ter seguido a tradição e vertido haicais para o português, mas preferiu uma empreitada mais arriscada: levar a MPB e a poesia brazuca para o Japão.

Explicar para um japonês o que é saudade, por exemplo, consome mais chá verde do que qualquer cerimônia. Já ‘Águas de Março’ exige quase um curso de engenharia. Afinal, não é fácil convencer alguém de que uma canção pode listar tijolo, prego, anzol e ao final ainda ser considerada poética.

Mas Seu Ku segue firme. No bairro, já o chamam de “o cara que faz Tom Jobim rimar com gergelim”.
E ele aceita, porque sabe que certas coisas não precisam de tradução: basta ouvir um violão de nylon que até uma cerejeira balança no compasso.

ÁGUAS DI MAROSSO
(Tom Zobim)

É páro, é pédla, é u fim du kaminio
É un lesto di toko, é un poko sozínio
É un kako di vidlo, é o vida, é o sóro
É a noiti, é a morti, é u raço, é o anzóro
É pelóba nu kampo, é u nó da madeila
Kaingá, kandeia, é u matita-pelêla
É madeila di ventu, tombu do libancêra
É u mistélio plofundu, é o queila ou no queila
É u ventu ventandu, é u fim du radêra
É o viga, é a vón, Festa do Kumeeira
É o shuva shovendo, é konversa libêra
Das água di marosso, é u fim du kanseila
É u pé, é u shón, é o marocha estladêra
Passarínio no món, pedla di atiladêra
É un avi no céro, é un avi no shón
É una legato, é un fonti, é una pedassu di pón
É u fundu du posso, é u fim du kaminio
Nu losto un desgosto, é un poko sozínio
É un estlepe, é un plego, é una konta, é una konto
É un pingu pingandu, é un ponta, é una pontu
É un sarmón, é un zesto, é un plata briliandu
É a ruz da manian, é u tizolo shegandu
É o renha, é u dia, é u fim do pikada
É o galafa de kana, o estirasso no estlada
É u prozeto da kasa, é u korpo no kama
É u calo inguissado, é o rama, é o rama
É una passo, é un ponti, é un shapo, é un ran
É un lesto de matu no ruz do manian
Son os água di marosso fechandu u verón
É u poromessa di vida nu teu korassón
É páro, é pédla, é u fim du kaminio
É un lesto de toko, é un poko sozínio
É un kobra, é un páro, é Akita, é Fukuda
É un espínio no món, é un korte nu pé
Són os água di marosso fechandu u verón
É u poromessa di vida nu teu korassón
É páro, é pédla, é u fim du kaminio
É un lesto de toko, é un poko sozínio
É una passo, é un ponti, é un shapo, é un ran
É un béro holizonte, é un feble terá-san
Són os água di marosso fechandu u verón
É u poromessa di vida nu teu korassón
É páro, é pédla, é u fim du kaminio.
É un lesto di toko, é un poko sozínio
É páro, é pédla, é u fim du kaminio
É un lesto di toko, é un poko sozínio
Páro, pédla, fim du kaminio, lesto di toko, un poko sozínio

Páro, pédla, fim du kaminio, lesto di toko, un poko sozínio

Páro, pédla ,kaminio, toko, sozínio

Páro, pédla, kaminio, toko, sozínio

Són os água di marosso fechandu u verón

É u poromessa di vida nu teu korassón.


Publicado em 28/09/2025




Museu do Fútil

por Carlos Castelo

Investigação solene das coisas fúteis

Se espera grandeza, não entre. Aqui guardamos o insignificante: a poeira que permanece no tapete, a trinca esquecida do copo, o vazio monumental do elevador que para no quinto andar. É a ciência do detalhe prescindível: com estatísticas rigorosas, métodos exigentes para conclusões que não levarão a nada.

Hoje: O POTE DE MARGARINA VAZIO.

Entre os exemplos de nosso acervo, poucos desafiam tanto o pensamento quanto o pote de margarina vazio. À primeira vista, só um plástico oco. Mas, em nossa interpretação, ele representa a tensão permanente entre abundância e ausência, consumo e descarte, pão e não-pão.

No pote pode não haver nada. Mas esse nada não é qualquer nada. É um vazio preservado para não se confundir com restos amarelados e gordurentos. Curiosamente, limpar o oco exige mais esforço do que lidar com algo material: o vazio, quando higienizado, dá trabalho redobrado.

Catalogadores do supérfluo não chegaram a um consenso sobre as origens dos potes de margarina vazios. Alguns afirmam que, no passado, consolidaram sua função como embalagens improvisadas de parafusos, botões e pregos soltos. Mas há controvérsias. Alguns peritos preferem acreditar que os usavam como bebedouro para gatos ou até como vasos.

No fim, o pote de margarina vazio revela uma lição inesperada: como grandes personagens da História, não é preciso ter conteúdo para ser estudado com seriedade. Basta uma embalagem e uma atenção especial que qualquer tralha se transforma em objeto de reflexão.


Publicado em 27/09/2025




Entrevista (quase real) com Allan dos Santos

por Carlos Castelo

Jornalismo fake news de verdade

Pergunta: Allan, recentemente o senhor foi até a porta da ONU desafiar o governo brasileiro a prendê-lo. O que passou pela sua cabeça naquele momento?

Allan: Principalmente a câmera. Eu precisava de um enquadramento digno da minha importância. Não ia me entregar em fila de cartório em Miami, cercado de gente querendo autenticar firma. Achei mais cinematográfico: ou me prendem com diplomatas de fundo ou não me prendem nunca.

P: O senhor não teme ser extraditado?

Allan: Eu? Temo p(*) nenhuma. Já li que até a Interpol fica confusa quando meu nome aparece. É tanto processo, tanta denúncia, que eles pensam que sou uma ONG especializada em fake news e em importação de açaí e pão de queijo.

P: Mas o governo brasileiro insiste que o senhor deve responder à Justiça.

Allan: Justiça? PQP! Olha, eu moro nos Estados Unidos, onde até a águia careca tem mais liberdade que brasileiro com CPF limpo. Se vierem me prender, eu grito “First Amendment” e pronto: ninguém encosta em mim. A não ser o fiscal do imposto de renda americano, que encosta até em bolso de cadáver.

P: Como definiria sua atual condição? Exilado, foragido, turista prolongado?

Allan: Eu me considero um imigrante por questões profissionais. É como médico que vai fazer especialização no exterior, só que minha especialidade é não ser preso. É uma área em crescimento aqui, na Itália, Hungria.

P: O senhor sente falta do Brasil?

Allan: Sinto falta das intimações do STF. Eram minha principal fonte de correspondência. Agora só recebo conta de cartão e propaganda de pizza.

P: Acredita que voltará um dia ao Brasil?

Allan: Claro, p(*)! Volto assim que inventarem um aeroporto com saída direta para um bunker em Copacabana. Até lá, sigo nos EUA, livre como um hambúrguer duplo.

P: Uma última reflexão?

Allan: O Brasil sempre foi bom em exportar commodities: soja, minério, jogadores de futebol. Agora também exporta fake news. Era natural que mais cedo ou mais tarde exportassem o fake newsman. É diversificação econômica. Estou contribuindo para a balança comercial brasileira, só que aqui de Manhattan.


Publicado em 25/09/2025




O Lobo e a Lula

por Carlos Castelo

Fábulas pavorosas

Um lobo precisa atravessar um rio, mas não sabe nadar. Ele pede ajuda a uma lula. A lula desconfia:

- Se eu te carregar nas costas, você vai me morder.

O lobo responde:

- Isso não faria sentido. Se eu te morder, você morre, e eu me afogo junto. Não vou fazer isso.

Convencida, a lula aceita carregar o lobo. No meio da
travessia, o lobo morde o molusco. Enquanto começam a afundar, a lula pergunta:

- Por que você fez isso? Agora nós dois vamos morrer.

E o lobo responde:

- Não é pessoal, é DNA, lulinha. A má notícia é que sou VIP no helicóptero, tenho prioridade de resgate. Bye!


Publicado em 24/09/2025




Uber

por Carlos Castelo

Uma corrida em carro de aplicativo

Entro no carro de aplicativo. O motorista, homem de seus 60 anos, demora alguns minutos para começar a falar sobre política. Com tato, ele vai entrando no assunto aos pouquinhos. Primeiro fala da falta de chuvas, depois do trânsito, das redes sociais. Só então dá início à sua tentativa de catequização:

- O senhor não acha que a China está de olho grande na nossa riqueza?

- Será?

- Ah, tá, viu? E aqui já estão copiando tudo que chinês faz.

- É mesmo?

- Esse governo está dando tudo de graça pros pobres e quem paga sou eu e o senhor.

- Humm…

- A roubalheira atual é enorme. Só não vê quem é cego.

- Acha mesmo, é?

- Com certeza. O governo antes desse pelo menos não roubou.

- Mas não defendia a ditadura militar?

- Defendia, mas não me lembro de levar tapa na cara de policial na época dos milicos.

- Mas teve o negócio de tentativa de golpe, não foi?

- Tentativa de golpe? Que golpe?

- Do 8 de janeiro.

- Tabajara daquele jeito? Aquilo não foi nada.

- Então será que foi uma festa surpresa para a Constituição, mas ela não apareceu?

- Apareceu, sim. Deve ter sido ela que quebrou tudo lá.

- Constituição quebrando a Praça dos Três Poderes? Estranho...

- Ideia da China, moço, ideia da China…


Publicado em 23/09/2025




Poesia, justo no domingo?

por Carlos Castelo

Suspiros poéticos e macarronada com frango

EXAME DE INCONSCIÊNCIA

Hoje vivo soluçando
Parece que comi um rato
As entranhas reclamando
Fora os vômitos a jato

Ponham-se no meu lugar
É bem difícil, eu sei
Mas para simplificar:
Fui Messias - me lasquei

Minha vida é Rede D’Or
Vou da cana pro hospital
Tem um destino pior?

Ah, ironia sem igual
Para um ditador maior
Virar cadáver penal


Publicado em 21/09/2025




Razões para ir à rua hoje contra a PEC da Bandidagem

por Carlos Castelo

Hoje é rua!

- Porque a Constituição não é um catálogo da Avon onde qualquer deputado pode escrever anistia e blindagem com caneta Bic.

- Porque é a primeira vez que um bando de golpistas quer sair impune com recibo carimbado pelo Congresso e ainda chamando isso de pacificação nacional, como se fosse uma cerimônia de primeira comunhão na paróquia do bairro.

- Porque o brasileiro já paga caro demais: impostos, mais impostos, passagem de ônibus, e agora a conta dessa tentativa de golpe.

- Porque se até a sua avó, que manda bom dia com flores animadas no WhatsApp, percebeu que essa PEC é marmelada, não há desculpa para você ficar em casa vendo série do Netflix.

- Porque, se essa moda pega, daqui a pouco inventam a PEC da Pizza: anistia para quem queimou florestas, desviou verbas, ou abusou de crianças.

- Porque não existe anistia preventiva. Isso é como perdoar um crime antes de ele acontecer. É como se o juiz dissesse: "Pode assaltar, mas traz troco."

- Porque Paulinho da Força não é Jedi, é Sith.

- Porque Temer e Aécio já eram golpistas muito antes do golpe de 8 de Janeiro.

- Porque o crime organizado já está abrindo CNPJs em massa.

- Porque anistia é o k*ralho.


Publicado em 21/09/2025




Um condenado em 27 frases

por Carlos Castelo

Uma minuta de silêncio pelo capitão

1. Não deu. Mas Bolsonaro foi o melhor Mussolini que pôde.

2. Bolsonaro aceita convite e agora faz parte do Clube do Choro de Brasília.

3. Jair é uma ótima pessoa. Exceto por deixar a impressão de que, a qualquer momento, pode roubar o seu relógio.

4. Bolsominion velho não bota a mão no STF.

5. Os idiotas costumam ter só uma ideia na vida. A de Jair foi ser presidente da República.

6. Nem Jair Bolsonaro vai sobreviver a Jair Bolsonaro.

7. Por causa do cartão corporativo, Jair vai acabar levando cartão vermelho.

8. Quando Bolsonaro morrer, a Ciência vai ser a primeira a não querer ficar com o corpo.

9. Jair governou errado por quatro linhas tortas.

10. Se ainda fosse um presidente maluco da ideia, mas nem ideia tem.

11. Jair é aquele tipo que não leva desaforo para os 51 imóveis.

12. Bolsonaro vai entrar para a História como o salvador da pátria dos outros.

13. Faça Bolsonaro trabalhar: não o reeleja.

14. Nossa, como Bolsonaro é gentio!

15. O que vai tirar o capitão do poder não é cadeia: é churrasco, pizza e leite Moça.

16. Era capitão, virou deputado, depois presidente. Agora é bobo da corte.

17. Bolsonaro nasceu para ser estátua equestre. Com o cavalo montado nele.

18. Bolsonaro está fazendo das tripas opressão.

19. É só baixar a popularidade para o capitão baixar ao hospital.

20. Todo país tem o Elon Musk que merece, o do Brasil é o Véio da Havan.

21. Quem toma dos pobres empresta a Messias.

22. Jair. O homem que reditadurizou o Brasil.

23. O capitão só não está no tarja preta porque é racista.

24. A família Bolsonaro é uma desorganização criminosa.

25. No creo en brujos, pero que jair, jair.

26. Jair está a uma senha de entrar na Papuda.

27. Capitão sem voz de comando acaba ouvindo voz de prisão.

(Publicado no Brasil de Fato RS)


Publicado em 19/09/2025




Partido Político S.A.

por Carlos Castelo

A nova política


- E aí, fechou com o contador?

- Tá quase. Ele disse que nunca abriu firma pra vender voto, mas que sempre tem a primeira vez.

- Importante é ter nota fiscal. Porque sem nota, como é que a gente comprova o caixa dois?

- Exato! Transparência acima de tudo.

- E sobre a campanha?

- Já tá engatilhada. O marqueteiro bolou um slogan: "Mais blindado que carro-forte."

- Fera! Só falta botar a logomarca: um cadeado rindo.

- Aliás, viu a PEC da Blindagem? Passou.

- Vi, truta. Agora se a gente roubar um banco, a Polícia Federal tem que pedir autorização pro dono do Congresso.

- Ou pra mãe da gente. Mais fácil, né?

- Fiquei pensando, se todo mundo tiver foro privilegiado, não vai ter mais fila no presídio.

- Só fila no bufê do coquetel de posse.

- E as promessas de campanha?

- Ué, as mesmas de sempre: emprego, saúde, educação.

- Mas a gente entrega?

- Claro que não, velho! E prometer é barato, não paga imposto.

- E a oposição?

- Oposição é a gente mesmo. A gente funda outro partido, faz uma briga inventada na televisão e pronto: democracia!

- Mano, isso tá virando um negócio de família.

- Já é. Meu menino de quatro anos tá treinando pra deputado. Sabe falar "meus queridos eleitores" direitinho.

- A minha já aprendeu a pedir vista na escola. Professora nunca mais corrigiu prova dela.

- Então, tamos combinados: CNPJ na praça, slogan blindado, família treinada.

- Isso. Mas e se der alguma zebra…

- Ah, parça, quando der zebra a gente já virou ministro...




Publicado em 18/09/2025




Blindam-se políticos

por Carlos Castelo

Serviço garatindo e o seu dinheiro não volta

Se o Senado fosse uma escola, a blindagem seria aquele momento em que a turma inteira se junta para defender o colega que colou na prova. Não porque gostem dele, mas porque é ele quem organiza as baladas da classe. No popular: proteger alguém, não por merecimento, mas por conveniência.

Na política virou ritual coletivo, mas seria mais honesto chamar de pacto de sobrevivência dos iguais. Quando um deputado é pego com a mão no cofre, não se pensa em justiça, mas em logística. Afinal, expulsar o colega seria abrir um precedente perigoso: "E se um dia for eu?"

A blindagem funciona como uma apólice de seguro de hipocrisia. Você paga o prêmio em silêncio, votando pela impunidade do outro, e recebe o benefício quando for a sua vez de chegar ao noticiário. É uma espécie de previdência parlamentar: contribua hoje com sua cara de pau, usufrua amanhã com seu processo engavetado.

E o povo? Bem, como sempre assiste a tudo como quem vê um mágico de circo: sabe que há truque, mas não consegue enxergar o fio que move a carta marcada. A diferença é que o mágico cobra ingresso; no Congresso, o espetáculo é pago em impostos, com direito a reprises intermináveis.

O mais irônico é que, no fim, chamam isso de blindagem. Não: blindagem é o que deveria proteger a sociedade contra canalhas. O que se vê em Brasília é apenas a salvaguarda do crápula contra a sociedade.


Publicado em 17/09/2025




Rublos aos porcos

por Carlos Castelo

Guerra semiótica

Dizem que a guerra do século XXI é feita com drones, satélites e hackers. Bobagem. O Kremlin redescobriu a pólvora colocando nove cabeças de porco em frente a mesquitas de Paris.

Dois agentes do Leste Europeu, pagos em rublos ou em vale-vodka, compraram os crânios em algum açougue e distribuíram o grotesco banquete usando Uber.

A fuga foi de carro para a Bélgica, deixando para trás um celular croata, um livro de Ionesco, e a sensação de que James Bond virou piada de Kafka.

Não é caso isolado. Já houve caixões abandonados perto da Torre Eiffel, muros rabiscados com Estrela de Davi e tinta vermelha no Memorial do Holocausto.

A Rússia parece acreditar que a Europa desmorona mais rápido com latas de spray do que com blindados. Pode até ser. Democracias ficam histéricas diante de símbolos. Tanques, em comparação, são quase discretos.

Por isso, hoje não devemos subestimar a guerra dos sinais. Para desestabilizar uma potência agora basta um chiqueiro, um Uber e muito mau gosto.


Publicado em 17/09/2025




Manual de Etiqueta no Luto pelo Condenado

por Carlos Castelo

Enquanto a etiqueta clássica recomenda recolhimento, a etiqueta bovina exige uma live urgente no YouTube.

1. Vestimenta
O preto tradicional é substituído pela jaqueta do Flamengo/Palmeiras/Botafogo, porque nada é mais solene do que transformar uma condenação judicial em amistoso de quarta-feira. Gravata, só se tiver estampa de fuzil.

2. Expressão Facial
Nada de lágrimas discretas ou olhares baixos: aqui o luto se traduz em caretas para a imprensa, discursos interrompidos por choro dramático e, se possível, um “estou sendo perseguido” dito entre soluços.

3. Redes Sociais
Enquanto a etiqueta clássica recomenda recolhimento, a etiqueta bovina exige uma live urgente no YouTube, de preferência com a participação de um médico negacionista e uma Bíblia aberta no Levítico. Hashtags obrigatórias: #InjustiçaSuprema e #STFVergonhaMundial.

4. Cerimônia
No lugar da missa de sétimo dia, realiza-se a motociata de uma semana: buzinaço, motoqueiros sem capacete e, claro, o velho refrão “mito, mito” que ecoa pelas ruas.

5. Condolências
Amigos e aliados devem prestar solidariedade com frases prontas, tais como:

- O homem mais honesto que já existiu está sendo vítima de vingança.
- Se até Jesus foi condenado, quem dirá o capitão.
- A democracia morreu com Ele.


6. Altares improvisados
Tradicionalmente, colocam-se flores, bilhetes, velas, fotos e ursinhos de pelúcia nesses locais. No caso específico, devem ser trocados por embalagens de cloroquina ou pela bandeira do Trump.


Publicado em 12/09/2025




O prompt do Tarcísio

por Carlos Castelo

Sou tipo uma pizza meia-calabresa, meia-marguerita.

Usuário (Tarcísio):

Olá, IA. Preciso de ajuda. Estou num nó pior do que trânsito na Marginal Tietê às seis da tarde. Veja só:

1. Tenho que apoiar o Bolsonaro. Afinal, devo minha eleição a ele. Se eu finjo que não apoio, o clã dele vem pra cima de mim com mais força do que as pancadas que dou em martelo de leilão.

2. Mas se eu apoio demais, o empresariado paulista me olha torto. Isso porque o banana do Bananinha foi pedir penico ao Donald e eu fui eu quem pagou o pato. E esses empresários não são de protestar à toa: eles têm colunas na Folha, assinam editoriais e, pior, fecham a torneira do financiamento de campanha.

3. Além disso, quero ser candidato a presidente em 2026. Quer dizer, não quero. Quer dizer, quero, mas não posso querer oficialmente. Se eu disser que sou o nome, o clã Bolsonaro vai dizer que sou ingrato, oportunista, falso paulista de Goiás. E, se bobear, mandar os kids pretos pra cima de mim.

Resultado: sou tipo uma pizza meia-calabresa, meia-marguerita. Todo mundo reclama, mas todo mundo pede.

Pergunta: Como é que eu saio dessa? Como apoio sem apoiar, e como viro candidato sem virar candidato?

 

Resposta da IA:

Caro Tarcísio, você está descobrindo agora o que qualquer camelô do Brás já sabe: quem tenta vender duas mercadorias incompatíveis termina sendo acusado de falsário. Apoiar Bolsonaro, sem apoiar Bolsonaro, é como abrir uma clínica de emagrecimento dentro de uma churrascaria rodízio: um insulto à inteligência do freguês.

Você quer parecer um gestor técnico, mas age como office-boy do bolsonarismo. Quer se vender como moderno para a Faria Lima, mas a única inovação que entrega é inventar desculpas novas para a velha carniça política de sempre.

Esse papo de "estou focado em São Paulo" engana só você mesmo. O eleitorado já entendeu que você é candidato. Do mesmo jeito que já entendeu que palmeirense vai reclamar da arbitragem mesmo vencendo. O teatro acabou, só você insiste em segurar a cortina com fita adesiva.

E sobre o clã Bolsonaro: esqueça. Se acha que vai herdar o espólio, prepare-se para ganhar no máximo um quadro autografado pelo Carluxo.



Portanto, a solução é simples:

1. Tenha coragem e assuma a bronca, ou continue como um daqueles semáforos quebrados da Avenida. Paulista piscando amarelo eternamente, sem servir para nada.

2. Se quiser ser candidato, seja. Se não tiver estômago, volte a dar palestra em sindicato de engenheiros e pare de fingir que é político.

Em suma: o seu dilema não é apoiar sem apoiar, nem ser candidato sem ser candidato. O seu dilema é ser um poste com planilha no Excel.

                              ***

Quer que eu escreva uma versão mais fofa, passando a mão na sua cabeça, Tarcísio?


Publicado em 10/09/2025




DEUS S/A

por Carlos Castelo

Os textos sagrados dos neopentecostais são uma fanfic da Bíblia.

Os textos sagrados dos neopentecostais são uma fanfic da Bíblia.

E não qualquer fanfic, dessas escritas por alguém que leu as Escrituras de trás pra frente. O que antes era palavra sagrada virou PowerPoint com fundo em fogo e letras garrafais.

O neopentecostalismo moderno é o equivalente espiritual de uma franquia de fast food. Tudo padronizado, tudo vendido, tudo embalado com uma promessa: milagres garantidos ou seu espírito de volta. Estamos falando de um cristianismo gourmetizado, aonde a salvação vem com taxa de conveniência e o pecado é calculado em parcelas de até 12x sem juros.

A Bíblia, aquela raiz, é citada como se fosse cláusula de contrato de aluguel. É lida em pedaços, reinterpretada, e sempre em favor do locador. A exegese virou exercício de malabarismo. Um versículo aqui, um grito ali, e de repente o Evangelho se transforma num programa de auditório, com prêmios, castigos ao vivo e fila para receber o sopro da vitória.

Jesus chora. E com razão. Ele, que expulsou vendilhões do templo, hoje seria expulso dele por atrapalhar a arrecadação. Não contribuiu com a campanha da Arca Premium? Então, filho, vai jejuar no banco de trás. No púlpito, só quem tem microfone sem fio e verbo inflamado de pastor-motivacional.

Os templos de hoje são arranha-céus da esperança fabricada em série. Telões de LED, ministérios com nomes de banda evangélica indie (Fogo Profundo, Graça Intensa, Unção Cósmica) e cultos que mais parecem TED Talks com trilha sonora dramática. A ceia virou coffee break, o batismo virou evento instagramável, e o arrebatamento… bom, esse é prometido para depois da campanha do Salmo Milionário.

O fiel tornou-se consumidor. Um zumbi sorridente com a carteira aberta, buscando salvação com gosto de cashback. Se o milagre não veio, a culpa é dele. Faltou fé. Faltou jejum. Faltou escanear o QR code da bênção.

O Espírito Santo, outrora brisa suave, agora desce sob a forma de efeitos especiais em show de heavy metal: fumaça, luz estroboscópica e gritos ensaiados.

Os textos sagrados desses templos não são só fanfic. São fan-service: feitos sob medida para agradar, entreter e não incomodar ninguém que tenha o dízimo em dia. Porque ninguém quer um Deus que desafie. Querem um gerente celestial simpático, que prometa vaga no céu em troca de fidelidade à marca.

Já disseram que religião é uma tentativa de encontrar consolo em uma narrativa mágica. Os neopentecostais vão além: transformam a narrativa mágica em plano de marketing. E não há exorcismo que tire esse espírito do lucro do altar.


Publicado em 10/09/2025




Leve seu viralatismo para curtir o 4 de Julho nos EUA

por Carlos Castelo

Você é gado? Então venha passar o 4 de Julho de 2026 em Miami.

Você é gado? Então venha passar o 4 de Julho de 2026 em Miami, comemorando a independência americana e a dependência do Brasil. Afinal, gritar “USA! USA!” é muito mais fácil do que entender o que são embargos infringentes.

O QUE INCLUI O PACOTE:
Passagem aérea em voo low-cost, com direito a selfie no embarque e legenda: “Rumo à liberdade!!!”.
Tour guiado nos outlets da Flórida: compre 12 camisetas “I Love Trump” e ganhe uma bandeira dos EUA para o jardim da sua casa em Alphaville.
Ingresso para churrasco temático “BBQ Patriota”: linguiça, picanha brasileira e ketchup americano.
Queima de fogos enquanto você canta o hino americano, gaguejando no refrão, mas com lágrimas nos olhos.
Passeio fotográfico em frente ao consulado brasileiro: sorria para a câmera e poste “Fora STF!” direto da terra de Donald Trump.

EXTRAS OPCIONAIS:
Vídeo profissional para stories, com você apontando para a Estátua da Liberdade e gritando: “Isso sim é democracia!”.
Palestra motivacional: Como ser mais americano que os americanos, com tradução simultânea via Google Tradutor.
Curso rápido de inglês nível “Yes, we can!”.
Aulão motivacional: dicas para parecer cidadão americano na fila da Apple Store, com apostila em inglês.

PREÇO PROMOCIONAL:

Apenas 12 vezes no cartão de crédito (*).
Sujeito a IOF, tarifaços e crises econômicas.
Não aceitamos PIX.

RESERVE JÁ E VENHA DESCOBRIR!

Se não dá para melhorar o Brasil, pelo menos dá para fazer compras em Downtown Miami.

Agência oficial: DEPENDÊNCIA TOURS
Levamos você até onde o seu viralatismo não consegue chegar.
Consulte nossas condições especiais para grupos de CACs com mais de 30 pessoas armadas.

(*) Oferta válida até o próximo tweet do presidente Trump ameaçando mandar tropas para o Brasil.


Publicado em 09/10/2025




O papa suíço

por Carlos Castelo

O Vaticano não elegeu um leão: elegeu um camaleão de batina.

O Vaticano não elegeu um leão: elegeu um camaleão de batina. E, como todo camaleão, sua maior virtude não é rugir, mas desaparecer na mobília. Leão XIV revelou-se, no entanto, a perfeita encarnação do burocrata eclesiástico: cortês, cauteloso, inofensivo. Uma escolha digna da lógica romana, em que, diante de séculos de tumultos, a solução mais segura é sempre colocar as coisas no piloto automático.

O novo papa não promove escândalos, mas também não comete frases memoráveis. Seus discursos lembram comunicados de assessoria de imprensa: palavras que se evaporam no mesmo instante em que são proferidas. Francisco, com todos os seus gestos intempestivos e pequenas revoluções, parecia uma granada destravada dentro do palácio apostólico. Já seu sucessor é o equivalente religioso a um rivotril: tomado em doses regulares, produz sonolência sem causar alucinações.

Eis a genialidade dos cardeais eleitores: cansados das guerras internas entre conservadores e progressistas, resolveram premiar um papa de "extremo centro", esse território onde nada floresce além do tédio. O resultado é um pontífice que, quando Madonna o convoca a Gaza, prefere responder com o silêncio; e quando um cardeal conservador celebra jubileu, envia uma carta cortês que poderia ter sido redigida por um padre-estagiário.

A cúria, sem dúvida, fica mais calma. Um papa que não move montanhas também não derruba muros. Ele veste novamente a mozeta vermelha, reinaugura os luxos de Castel Gandolfo, reinstaura o ritual. É como se, depois de anos de tempestade, Roma tivesse contratado um zelador para varrer os corredores.

No entanto, até a mediocridade exige talento. É preciso um certo tipo de gênio para parecer tão pouca coisa. Um papa que passa vinte anos no Peru montado em lombo de burros e retorna a Roma apenas para se tornar diretor de recursos humanos do episcopado não chega ao trono de Pedro sem articular sua ascensão. A modéstia, aqui, não é virtude: é estratégia.

E assim, a cristandade recebe um papa que não inflama paixões, mas também não inspira devoção. Ele irrita apenas por existir em sua completa neutralidade. Nem inimigo feroz do modernismo, nem amigo dos pobres contra o capital. Apenas um funcionário de Deus, treinado para não deixar marcas.

Se João Paulo II foi o peregrino, Bento XVI o professor e Francisco o provocador, Leão XIV é o mediador que pede a todos que falem baixo. Um camaleão, enfim: de batina vermelha, coração cinza e futuro desbotado. Um papa suíço.


Publicado em 08/10/2025




Entre e sinta-se em casa

por Carlos Castelo

Seu capitão, bem-vindo ao único lugar do Brasil onde ninguém pede Pix.

– Entra aí, esta vai ser a sua cela.

O capitão parou na porta como quem descobre que o paraíso tropical prometido pelo corretor de imóveis era, na verdade, uma quitinete com cheiro de sardinha em lata.

– E o banheiro? – perguntou.

– O banheiro é coletivo. Querendo ir, chama um guarda.

– Coletivo? – o capitão arregalou os olhos. – Coletivo é comunismo!

O carcereiro suspirou.

– Não, capitão. Comunismo é dividir a escova de dentes. Banheiro coletivo é só dividir a descarga.

Nesse momento, surgiram dois detentos no corredor. Um segurava uma toalha puída.

– Olha só, o Mito! – anunciou o primeiro.

– Agora sim o truco vai ter graça: esse sabe mentir!

O capitão tentou sorrir, mas parecia um cachorro entrando no consultório do veterinário.

– Eu sou preso político, pô – declarou, inflando o peito. – Preso político tem regalia.

O segundo preso deu risada.

– Regalia aqui é sentar perto da janela quando sobe a brisa da fossa.

A gargalhada ecoou pela galeria.

Outro detento, com ar professoral, se aproximou.

– Seu capitão, bem-vindo ao único lugar do Brasil onde ninguém pede Pix. Aqui tem que chamar no escambo. Quer sabonete? Troca por um pacotinho de miojo.

– Miojo? – o capitão engoliu seco. – Mas eu só como picanha…

– Então já pode começar a fazer jejum – disse o preso, batendo no ombro dele. – É uma boa pra teu intestino e ainda economiza no papel higiênico.

Um guarda apareceu, trazendo um balde.

– A água pro banho, capitão.

– Fria, rapaz? Não tem chuveiro elétrico?

– Tem sim – respondeu o guarda. – Mas só vai funcionar quando o senhor acreditar em urna eletrônica.

O capitão ficou mudo. Do fundo da cela, alguém gritou:

– Ô do kids pretos, canta o hino nacional aí pra animar a galera!

E, enquanto ele tentava lembrar a letra entre um soluço e outro, um detento resumiu:

– Aqui dentro não tem direita nem esquerda, tá ligado? Só tem fila pro banheiro.


Publicado em 08/10/2025




Ninfas e veneráveis senhores

por Carlos Castelo

O jornalismo por assinatura no Brasil virou um espetáculo de auditório.

O jornalismo por assinatura no Brasil virou um espetáculo de auditório: falso e coreografado para parecer espontâneo.

O noticiário conta duas alas principais: a das ninfas do teleprompter e a dos patriarcas da passagem de pano.

As ninfas possuem rostos jovens, dentes que brilham mais que o próprio estúdio e anunciam guerras, corrupção e pedofilia com o mesmo timbre que usariam para sugerir um novo sabor de iogurte. A tragédia é apenas uma pausa incômoda entre dois closes perfeitos. O importante não é o conteúdo, mas a prova de que a maquiagem sobreviveu a mais um bloco.

Na outra ponta, os veneráveis senhores: vozes graves, sobrancelhas arqueadas, ares de sabedoria. São os sacerdotes da contextualização. Diante de uma traição à pátria, explicam que “é preciso entender as complexidades do processo”; frente a uma censura explícita, murmuram que “é uma adaptação necessária às circunstâncias”. São como tapeceiros de luxo: o escândalo entra manchado de lama, sai perfumado e dobrado com fita de seda.

Assim, o jornalismo televisivo deixou de ser o cão de guarda da democracia para virar um poodle tosado em pet shop de shopping. Não morde, apenas abana o rabo quando o dono da emissora acena com um biscoitinho. O espectador, por sua vez, não parece incomodado. Liga a TV para ser embalado, não desafiado. Quer ver sorrisos simétricos e ouvir justificativas confortáveis. E isso o jornalismo de hoje entrega com eficiência cirúrgica.

O resultado é simples: em vez de notícia, recebemos anestesia; no lugar de análise, maquiagem; ao contrário de jornalismo, novela mal escrita.

E é nesse cenário de novelas mal ajambradas que o cinema brasileiro decidiu dar sua contribuição. O diretor Bruno Barreto, talvez inspirado pela dramaturgia ensaiada dos telejornais, resolveu que o país precisava de mais uma cinebiografia. E qual personagem escolhido para virar drama de duas horas? Miriam Leitão. Sim, a musa dos editoriais mornos de economia

E não será qualquer Miriam Leitão. Será uma Miriam Leitão interpretada por Sônia Braga. Aquela mesma, de “Gabriela”, de “Dona Flor”, de “Aquarius”. A atriz que entusiasmou Hollywood e Cannes agora vai colocar um tailleur bege e se emocionar ao falar de taxa Selic. É como chamar o Tom Cruise para estrelar um tutorial do imposto de renda Pessoa Física.

Se a ideia era criar empatia, Barreto acertou em cheio: afinal, nada como transformar uma jornalista que representa a voz mais conservadora da elite econômica em protagonista trágica. Porque todo país precisa de seus heróis. Uns têm Mandela, outros têm Gandhi, o Brasil terá Miriam Leitão.

E já imagino a divulgação do longa:

— Do diretor de Dona Flor e Seus Dois Maridos, vem aí Miriam Leitão e Seus Dois Indexadores.


Publicado em 07/10/2025




O santo patrono do escracho tropical

por Carlos Castelo

Se Millôr não foi filósofo, então ninguém o foi.

Se há uma justiça cósmica então o Brasil foi presenteado com uma anomalia sublime chamada Millôr Fernandes. Nasceu ele, veja a ironia, justamente no Dia do Filósofo - 16 de agosto. Ora, se Millôr não foi filósofo, então ninguém o foi: ele erguia silogismos como quem abre uma latinha de cerveja.

Os filósofos costumam ser homens sisudos, trancados em bibliotecas. O Brasil, por sua vez, decidiu cultivar um tipo raro: o filósofo de botequim que sabia mais sobre a alma humana do que dez volumes de Kant. Millôr pegava a tragédia universal, passava manteiga, e a servia como torrada no café da manhã. E nós comíamos.

O que me fascina é a habilidade desse sujeito de transformar o ridículo em dogma e o dogma em piada. Ele era uma espécie de Voltaire de sandália havaiana.

Para Millôr, o rei estava sempre nu, mas não bastava apontar isso: ele desenhava a nudez com duas orelhas de burro e um sorriso de canalha. E o povo, em coro, ria. Porque rir ainda é a única maneira decente de não enlouquecer.

Assim, eu digo, sem medo, nesse agosto em que o pensador do Méier faria 102 anos: Millôr não nasceu, aconteceu. Como acontece um terremoto, um tsunami. Que sorte a do Brasil: em vez de um Platão, ganhou um Millôr. E que sorte a nossa, ainda hoje, poder citá-lo para lembrar que rir do mundo é, afinal, a mais nobre das tarefas. Viva o santo patrono do escracho tropical!


Publicado em 07/10/2025